A sexta edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, realizada pelo Instituto Pró-Livro, trouxe dados preocupantes para o mercado livreiro nacional. Em 2024, o País perdeu 6,7 milhões de leitores desde 2019 e 11,3 milhões em relação a 2015. Então, o que explica o enfraquecimento do hábito de ler entre os brasileiros?
Dados sobre o panorama da leitura no Brasil:
- pela primeira vez desde 2007, o País tem mais não leitores que leitores;
- a média de livros lidos por ano é a menor da história, de apenas 3,96 por pessoa;
- por influência da escola, os brasileiros leem menos de um livro por ano;
- e quase um terço dos não leitores revela não gostar de ler.
Entenda abaixo quais são os obstáculos para o desenvolvimento cultural do País por meio dos livros.
Por que o hábito de leitura no Brasil está em queda?
De acordo com o levantamento “Retratos da Leitura no Brasil”, o número estimado de leitores no País é de 93,4 milhões de pessoas. Isso representa 47% da população brasileira com 5 anos ou mais e, pela primeira vez desde 2007, o percentual de não leitores superou o daqueles que leem. Aqui estão os fatores envolvidos nessa questão.
1) Escolas sem força na formação de leitores
O Instituto Pró-Livro define “leitor” como aquele que leu pelo menos um livro, inteiro ou em partes, de qualquer gênero, nos três meses anteriores à pesquisa. Nesse sentido, era de se esperar que as escolas ajudassem a formar um público leitor cada vez maior, mas o impacto delas tem se enfraquecido.
Em 2015, a média de livros lidos anualmente por indicação da escola era de 0,93. Quatro anos mais tarde, o número caiu para 0,87. Então, em 2024, a média chegou a 0,65.
Tradicionalmente, a pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” aponta que a exigência escolar é um dos motivos menos citados para os brasileiros terem contato com os livros. Na sexta edição, apenas 6% dos leitores declararam essa motivação. O gosto pessoal é líder nesse quesito, mencionado por 24%.
Além disso, houve uma queda no hábito de leitura em todos os perfis de escolaridade no Brasil. Até mesmo entre os leitores com ensino superior, que liam 9,49 livros, em média, no ano de 2019, eles passaram a ler 6,45 livros, em média, cinco anos depois.
Livros no Brasil: pesquisa revela hábito de leitura no País.
2) Falta de políticas públicas para o incentivo à leitura
A formação de um país de leitores não depende somente das iniciativas do setor privado. Inclusive, a maioria das cidades no Brasil sequer têm uma livraria. Em Santa Catarina, por exemplo, o Anuário Nacional de Livrarias 2023 apontava a existência de apenas 107 estabelecimentos para 295 municípios.
É preciso trabalhar políticas públicas para incentivar a leitura. Isso começa pelo próprio acesso aos livros. Como demonstra o Censo Escolar 2023, quase metade das escolas no País (47,5%) não possuíam uma biblioteca um espaço de leitura à disposição dos alunos.
Mas o que se viu nos últimos anos foi uma redução desses ambientes voltados ao desenvolvimento de leitores e uma perseguição aos livros dentro das próprias escolas. Os casos recentes de censura no ambiente escolar acabam prejudicando a descoberta dos alunos, o diálogo com as obras e, mais importante, a formação de cidadãos críticos.
3) Déficit de atenção causado pela internet
O vício no celular e as redes sociais costumam ser apontados como os principais responsáveis pela queda no hábito de leitura. Embora eles tenham sim uma parcela de culpa, o problema parece estar mais associado aos efeitos da era digital no cérebro que a uma presença cada vez mais dominante da internet na rotina dos brasileiros.
Na verdade, desde a última pesquisa de leitura no País, o tempo gasto on-line pouco mudou. Os brasileiros passavam diariamente 9 horas e 29 minutos conectados e 3 horas e 34 minutos nas redes sociais, em média, no ano de 2019. Então, em 2024, as médias foram de 9 horas e 13 minutos e 3 horas e 37 minutos, respectivamente.
Seja qual for o tempo gasto, a vida digital afeta a capacidade de concentração por longos períodos e a memória, duas habilidades necessárias ao desenvolvimento do hábito de leitura. Diante disso, não surpreende que o número de não leitores que declararam não gostar de ler subiu quatro pontos percentuais entre 2019 e 2024: de 28% para 32%. A parcela dos que não têm paciência para ler chegou a 13%, enquanto outros 12% preferem atividades que não a leitura, principalmente usar a internet.
Os dados do Instituto Pró-Livro podem indicar, inclusive, o impacto do uso excessivo de dispositivos digitais em crianças e adolescentes durante a pandemia. Isso porque a faixa etária entre 11 e 13 anos foi a que mais reduziu a média de leitura entre todos os grupos analisados.
Os hábitos culturais e o acesso à cultura no Brasil em dados.
4) Renda familiar
O preço dos livros não é um impeditivo tão grande quanto se imagina para o crescimento do número de leitores no Brasil. Apenas 2% dos não leitores mencionaram alguma razão do gênero para não terem aberto um livro sequer nos últimos três meses.
Por outro lado, quanto maior a renda familiar, maior também é a média de livros lidos por ano. Nos domicílios que recebem até um salário mínimo, o número é de 2,43. Já nas rendas familiares acima de 10 salários mínimos, a média chega a 7,23.
Ou seja, políticas de melhor distribuição de renda são, indiretamente, incentivos à leitura. Mas outras questões econômicas estão aí envolvidas, como o alto percentual de famílias de baixa renda endividadas e até mesmo as apostas on-line, que disputam o orçamento de casa com as compras mais básicas.
5) Cultivar o hábito de leitura exige tempo
Ler livros é somente a décima segunda atividade favorita dos brasileiros para fazer no tempo livre. E é possível que eles não tenham tanto tempo livre assim. Sempre é válido lembrar: as pessoas perdem, em média, 21 dias por ano com o trânsito dos grandes centros urbanos do País, como indica uma pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e do Sebrae.
Mas não estamos falando só da falta de tempo, apontada por 33% dos leitores como um dos motivos para não lerem. Também nos referimos aqui às condições para criar o gosto pela leitura.
Daí a importância de medidas urgentes para incentivar o hábito de ler, pois elas só terão efeito no longo prazo. Como vimos, a perda de interessados em livros no Brasil é um movimento que ocorre desde 2015 e, na ausência de ações afirmativas nesse intervalo, chegamos à situação atual. Mesmo assim, é preciso acreditar que teremos um futuro de leitores, ou será difícil imaginar um futuro para o País.
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